Moçambique, localizado na costa sudeste da África, é um país com vastas riquezas naturais, uma posição estratégica no Oceano Índico e uma história profundamente marcada por influências externas. Desde a independência de Portugal em 1975, Moçambique tem enfrentado múltiplos desafios, incluindo conflitos internos, pobreza endêmica e disputas geopolíticas.
O país vem enfrentando, atualmente, uma grave crise interna em virtude das suspeitas de fraude nas eleições gerais de 2024, notadamente para presidente.
O norte de Moçambique, particularmente a província de Cabo Delgado, enfrenta uma grave crise de segurança devido à atividade de grupos insurgentes de origem islâmica. Desde 2017, o conflito nesta região tem se intensificado, resultando em milhares de mortos, milhões de deslocados internos e um impacto devastador na economia local, especialmente nos projetos de gás natural. Este cenário se conecta a uma rede complexa de fatores históricos, sociais, econômicos e geopolíticos, que alimentam o crescimento do extremismo e a fragilidade do Estado na região.
O principal grupo insurgente na região é conhecido localmente como Al-Shabaab (não relacionado diretamente ao grupo somali de mesmo nome), que posteriormente se declarou parte do Estado Islâmico (ficando conhecido também como ISIS - Moçambique), se identificando, assim, como um braço do Estado Islâmico da África Central.
O conflito em Cabo Delgado tem causado uma crise humanitária de proporções alarmantes. Mais de 1,5 milhão de pessoas foram deslocadas, e muitas enfrentam condições precárias nos campos de refugiados. A insegurança alimentar é generalizada, agravada pela destruição de plantações e infraestrutura agrícola.
Apresentamos alguns dados interessantes sobre a insurgência em Cabo Delgado:
Origens locais
A insurgência emergiu em um contexto de marginalização econômica e social. Apesar da riqueza de recursos naturais em Cabo Delgado, a população local não se beneficia dos investimentos em mineração e exploração de gás natural, que frequentemente empregam mão de obra estrangeira ou de outras partes de Moçambique. Essa exclusão fomentou ressentimento contra o governo central, considerado distante e incapaz de atender às demandas da região.
Elementos religiosos e ideológicos
Embora inicialmente o grupo tivesse motivações mistas, como protestos contra a corrupção e a exploração, a radicalização religiosa tornou-se uma marca. O Islã tem raízes profundas em Cabo Delgado, mas o grupo distorce práticas locais ao adotar uma interpretação extremista importada, atraindo jovens com promessas de pertencimento e recompensas financeiras.
Apoio transnacional
A insurgência em Cabo Delgado não está isolada. Há evidências de conexões com redes internacionais de extremismo, incluindo tráfico de armas e financiamento por grupos externos. A localização costeira estratégica facilita o contrabando e o tráfico de recursos, como drogas e rubis, alimentando as operações dos insurgentes.
Dada a incapacidade do governo moçambicano de conter a insurgência sozinho, o problema atraiu a atenção internacional. Diversos atores estrangeiros têm apoiado Moçambique, cada um com interesses próprios.
Portanto, a insurgência em Cabo Delgado é um dos maiores desafios de Moçambique, ameaçando sua estabilidade interna e desenvolvimento econômico. Embora a resposta internacional tenha ajudado a conter a insurgência em algumas áreas, uma solução duradoura exige esforços integrados para abordar as causas profundas do conflito.
Assim, este texto examina as influências contemporâneas da China, Portugal e Rússia sobre Moçambique, os interesses brasileiros nesse país, e as possíveis estratégias para o Brasil mitigar essas influências, reforçando seus próprios objetivos geopolíticos na região.
A) Influência da China: Investimentos e Dependência Econômica
A China tem desempenhado um papel significativo em Moçambique nas últimas décadas, consolidando sua presença econômica e política por meio da "Iniciativa da Nova Rota da Seda" - BRI (Belt and Road Initiative). Pequim oferece empréstimos para projetos de infraestrutura, desenvolve parcerias estratégicas em setores chave e explora recursos naturais, especialmente gás natural liquefeito (GNL) e minerais.
Projetos de infraestrutura e dependência:
Entre os empreendimentos mais notáveis estão a reconstrução de rodovias, ferrovias e portos. No entanto, essa infraestrutura é muitas vezes construída por empresas chinesas e financiada por créditos que elevam a dívida externa moçambicana. A relação desigual gera preocupações sobre a "armadilha da dívida", onde o país se torna dependente economicamente e vulnerável às pressões políticas de Pequim.
Exploração de recursos naturais:
A China também tem interesse direto nos recursos naturais de Moçambique, particularmente nas reservas de gás natural na Bacia do Rovuma. Empresas chinesas participam de projetos de exploração e desenvolvimento desses recursos, essencialmente conectando a economia moçambicana às necessidades energéticas chinesas.
Influência política:
Além da economia, a China usa "soft power" para fortalecer os laços diplomáticos, promovendo intercâmbios culturais, bolsas de estudo e treinamentos para funcionários do governo moçambicano. Essa abordagem consolida uma visão pró-China entre as elites políticas locais.
B) Portugal: Uma Relação Histórica em Transformação
Como ex-potência colonial, Portugal mantém uma relação especial com Moçambique baseada em laços históricos, culturais e linguísticos. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) serve como plataforma para cooperação entre os dois países.
Parcerias econômicas e culturais
Portugal investe em setores como turismo, energia e telecomunicações, com empresas como a Galp Energia desempenhando um papel de destaque. Além disso, Lisboa promove a língua portuguesa como meio de preservação de sua influência cultural e identitária.
Relação pós-colonial
Apesar dos vínculos históricos, Moçambique busca cada vez mais diversificar seus parceiros internacionais, diminuindo a dependência de Portugal. Ainda assim, a diáspora moçambicana em Portugal e a presença de empresas portuguesas no país mantêm os laços relevantes.
C) Rússia: Intervenção Militar e Cooperação Econômica
A Rússia intensificou sua presença em Moçambique nos últimos anos, aproveitando o ambiente de instabilidade causado por grupos insurgentes na província de Cabo Delgado. Moscou busca influenciar o país por meio de assistência militar e parcerias estratégicas no setor de recursos naturais.
Assistência militar
O Kremlin fornece treinamento militar e equipamentos às forças moçambicanas para combater grupos ligados ao extremismo islâmico. A presença de empresas militares privadas russas, como o Grupo Wagner, também tem sido registrada, embora com resultados limitados.
Exploração de recursos
Empresas russas participam de projetos de mineração, incluindo grafite e titânio, além de demonstrar interesse nos vastos recursos de gás natural. Esse envolvimento reforça os objetivos econômicos e geopolíticos da Rússia na África, consolidando uma esfera de influência no continente.
Interesses estratégicos
A Rússia vê Moçambique como uma peça importante em sua estratégia para recuperar protagonismo global. Ao apoiar o governo moçambicano, Moscou busca alinhar o país aos seus interesses em fóruns internacionais e expandir sua presença no Oceano Índico.
D) Os Possíveis Interesses Brasileiros em Moçambique
O Brasil tem interesses estratégicos em Moçambique, motivados por laços históricos, culturais e econômicos. Ambos os países compartilham a língua portuguesa e integram a CPLP, facilitando a cooperação em várias áreas.
Cooperação Sul-Sul
A diplomacia brasileira em Moçambique reflete os princípios da Cooperação Sul-Sul, com foco em projetos de desenvolvimento sustentável, segurança alimentar e saúde. Iniciativas como a parceria entre a Embrapa e o governo moçambicano para promover a agricultura têm impacto positivo, mas limitado.
Interesses econômicos
Empresas brasileiras como a Vale já investiram significativamente em Moçambique, especialmente na mineração de carvão. Contudo, a necessidade de diversificar os setores de atuação permanece crucial para ampliar a presença brasileira.
Presença geopolítica no Oceano Índico
Moçambique é estratégico para o Brasil devido à sua localização no Oceano Índico, área de crescente importância para o comércio global e segurança marítima. Estabelecer parcerias sólidas em Moçambique pode fortalecer o Brasil em fóruns regionais e globais.
Nesse cenário, para aumentar sua influência em Moçambique e equilibrar o peso de potências como China, Portugal e Rússia, sugerimos que o Brasil adote uma abordagem multifacetada:
1) Diplomacia Econômica e Diversificação de Investimentos
• Infraestrutura e agricultura: Expandir investimentos em setores chave que beneficiem diretamente a população moçambicana, como infraestrutura rural e segurança alimentar.
• Energia: Desenvolver parcerias nos setores de energia renovável e gás natural, criando sinergias entre empresas brasileiras e moçambicanas.
• Pequenas e médias empresas: Estimular a entrada de empresas brasileiras de médio porte para reduzir a dependência de grandes conglomerados.
2) Fortalecimento da Cooperação Técnica e Cultural
• Educação e língua portuguesa: Investir em programas educacionais, promovendo o português como ferramenta de integração e desenvolvimento.
• Transferência de tecnologia: Ampliar parcerias nas áreas de saúde, biotecnologia e agricultura sustentável, destacando o modelo brasileiro de sucesso em climas tropicais.
3) Segurança Marítima e Defesa
• Apoio à segurança marítima: Colaborar com Moçambique, por meio da Marinha do Brasil, em questões de segurança no Canal de Moçambique, promovendo a estabilidade regional e combatendo atividades ilícitas, como a pirataria.
• Treinamento militar: Oferecer treinamento às forças armadas moçambicanas, destacando a expertise brasileira em operações de paz e combate ao crime organizado.
4) Engajamento Multilateral
• CPLP e BRICS: Utilizar a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP como plataforma para promover interesses comuns entre Brasil e Moçambique, ao mesmo tempo que explora o potencial do BRICS para equilibrar a influência chinesa e russa. Sugerimos a leitura do artigo "CPLP, oportunidade de projeção geopolítica do Brasil", acessível em https://www.atitoxavier.com/post/cplp-oportunidade-de-projeção-geopolítica-do-brasil.
• Parcerias trilaterais: Buscar parcerias trilaterais que incluam países africanos e europeus, especialmente Portugal, reforçando a posição do Brasil como mediador global.
O Blog é de opinião que Moçambique representa um campo geopolítico em disputa, onde a influência de potências como China, Portugal e Rússia molda o futuro do país. O Brasil, como um parceiro histórico e membro da CPLP, possui a oportunidade de fortalecer seus laços com Moçambique, promovendo uma relação mutuamente benéfica. Para mitigar as influências externas e garantir seus próprios interesses, o Brasil deve adotar uma abordagem abrangente que combine diplomacia econômica, cooperação técnica e engajamento multilateral.
Assim, essa estratégia não apenas ampliará a presença brasileira em Moçambique, mas também reforçará o papel do Brasil como uma potência global comprometida com o desenvolvimento sustentável e a estabilidade internacional. Em um mundo cada vez mais interconectado, investir em Moçambique é uma aposta estratégica para consolidar a liderança brasileira em um continente de importância crescente.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para ajudar a nossa análise:
Matéria de 02/12/2024:
Matéria de 29/11/2024:
Matéria de 03/10/2021. Este vídeo aborda a problemática da insurgência islâmica no norte de Moçambique. Devido ao teor, ele deve ser assistido no Youtube:
Matéria de 18/11/2024:
Matéria de 06/04/2021:
Matéria de 19/04/2016:
Eu gostaria de saber, realmente, sem segundas intenções, como esses casos são estudados, como é se soluções são propostas, com que finalidade (atender aos nossos interesses, ajudar,...) , que benefícios essa relação nos traria, como a ONU "cuida" desse assunto, o que faz de concreto, há quanto tempo, não daria pra ver resultados e porque...