Recentemente, a relação entre a França e a Turquia, que vem sofrendo um desgaste, atravessa um período bastante turbulento e sério, desde que o Presidente francês, Emmanuel Macron, em um discurso público, informou que defenderá os valores franceses, como a liberdade de expressão e a laicidade contra aqueles que não concordam, bem como culpa o terrorismo radical islâmico pelo assassinato do professor francês que foi decapitado após a sua aula sobre liberdade de expressão, em que mostrou uma charge do Profeta Maomé. Outrossim, Macron alegou que o islamismo estaria em crise.
Nesse sentido, o Primeiro-Ministro turco, Erdogan, iniciou uma campanha de boicote aos produtos franceses, bem como ofendeu publicamente Macron, e acusou a França de colonialismo. Começa, assim, uma série de protestos no mundo muçulmano contra o governo francês, que a cada dia têm aumentando de intensidade, com vários países de maioria islâmica condenando Macron, potencializando a rivalidade franco-turca.
O jornal francês Charlie Hebdo, famoso por suas charges polêmicas, inflamou a crise por meio de uma edição que ridicularizou Erdogan, e citou o Profeta, num claro desafio à Turquia, o que foi defendido por Macron.
Os governos de Paris e Ankara vêm se estranhando bastante, principalmente em 2020, onde destacamos os principais eventos abaixo:
Guerra na Líbia, em que estão apoiando lados opostos no conflito, onde ocorreu uma crise entre os meios navais, deixando a OTAN sem saber ao certo como resolver a questão;
Disputa geopolítica no Mediterrâneo Oriental entre a Turquia e a Grécia, no qual a França apoia abertamente o governo grego, inclusive participando de exercícios navais com esse país;
a França acusou a Turquia de se envolver ativamente no conflito entre a Armênia e o Azerbaijão;
o Presidente francês reconheceu que a Turquia cometeu genocídio contra os armênios durante a Primeira Guerra Mundial, onde em 2019 anunciou que o dia 24 de abril será lembrado no país como o Dia do Genocídio Armênio, o que irritou demais o governo turco;
o governo francês condenou politicamente os turcos pela sua participação na Guerra da Síria no tocante a sua ofensiva contra os curdos.
Erdogan, em sua política assertiva, tem respondido a essas questões de forma enfática, por meio de ameaças, bem como pela continuação de suas manobras geopolíticas, visando atingir os seus objetivos estratégicos, quais sejam:
consolidar-se como um "hub"importante de energia para a Europa e a Ásia;
consolidar-se como uma potência eurasiana;
conseguir um assento no Conselho de Segurança como representante muçulmano, assumindo a voz do mundo islâmico (liderança muçulmana);
ser aceito na União Europeia.
Sugerimos a releitura do nosso artigo: "Ascensão turca: chega de ceder!", disponível em: https://www.atitoxavier.com/post/ascensão-turca-chega-de-ceder .
Por outro lado, a França também vem tentando assumir a liderança europeia e ter um maior protagonismo no cenário internacional. Com isso, também adota uma política externa firme e coerente com os seus objetivos geopolíticos, que estão baseados na tríade: Segurança - Autonomia - Influência. Sugerimos a releitura do artigo do Blog: "França: a super potência europeia? Conseguirá ser protagonista global?", acessível em: https://www.atitoxavier.com/post/frança-a-super-potência-europeia-conseguirá-ser-protagonista-global .
Convém mencionar que ambos os países estão enfrentando crises internas, e que qualquer oportunidade é interessante e pode ser usada para desviar a atenção dos problemas domésticos, bem como auxiliar na permanência dos atuais mandatários no poder.
No meio da crise franco-turca temos a União Europeia (UE) e a OTAN, que apresentam os seguintes dilemas:
UE: é refém da Turquia no tocante a imigração dos refugiados sírios que querem adentrar a Europa e encontram-se contidos em território turco, bem como da importância do mercado econômico turco para alguns países europeus, como a Alemanha e a Itália. Dessa forma, não há um consenso de como seriam aplicadas possíveis sanções econômicas no governo de Ankara. Boa parte dos países europeus ficou ao lado francês nessa última e mais grave crise política franco-turca;
OTAN: não está sabendo lidar com as crises navais grego-turca e franco-turca, pois os três países são membros da aliança, e com isso não tem uma solução concreta para esses problemas.
É digno de nota que a atual sociedade francesa possui um considerável número de cidadãos que professam o islamismo, cerca de 7% a 8%, sendo que uma boa parte vive abaixo da média social e econômica francesa, o que facilita a ocorrência de protestos violentos e o recrutamento de jovens por grupos fundamentalistas radicais.
Outrossim, os valores franceses defendidos por Macron carecem de ter um olhar mais multicultural e atual, em virtude da realidade de sua população (aumento gradual dos muçulmanos franceses), visando evitar conflitos e divisões sociais. Para tentar combater o fundamentalismo islâmico em território francês, foi lançado um plano de ação contra o radicalismo com a participação do Conselho Francês do Culto Muçulmano.
Nesse cenário, são previstas as seguintes consequências para a França:
incremento da violência doméstica, com a ocorrência de atentados terroristas;
aumento da rejeição francesa no mundo muçulmano;
um possível desgaste político de Macron;
uma maior discriminação contra os seus cidadãos muçulmanos, com possíveis atos de violência em Mesquitas;
um desafio geopolítico para atingir um dos seus objetivos de liderar a União Europeia.
Para a Turquia são vislumbrados:
aumento da sua influência junto ao mundo muçulmano, e esvaziando a influência saudita;
não conseguir entrar para a União Europeia (algo que praticamente já é considerado como fato);
consolidação do governo de Erdogan na Turquia, pois agrada aos nacionalistas turcos;
isolamento político junto à Europa Ocidental, e talvez junto aos EUA;
sofrer sanções econômicas pela UE;
formação de novas alianças políticas e militares fora do eixo europeu.
O Blog é de opinião de que essa crise não é boa para nenhum dos dois países, mas tem um maior impacto no governo francês nos ambientes interno e externo.
O governo de Erdogan poderá sair fortalecido, ajudando em sua manutenção no poder, mas existe uma grande probabilidade de ocorrer consequências econômicas negativas para a Turquia, por meio de sanções aplicadas pela UE. Entretanto haverá o aumento de seu protagonismo no mundo muçulmano, principalmente junto aos sunitas, diminuindo a influência da Arábia Saudita.
Será necessário distensionar a tensão criada, pela Turquia, entre a França e o mundo muçulmano por algum ator internacional que tenha influência no Islã, visando evitar uma possível escalada da violência por parte de extremistas.
Nos resta acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e as possíveis ações da União Europeia e da OTAN.
Qual a sua opinião? A crise é pior para quem? Devemos estar atentos a esse problema?
Seguem alguns vídeos para nos ajudar em nossas análises:
Matéria de 28/10/2020:
Matéria de 27/10/2020:
Matéria de 29/10/2020:
Matéria de 28/10/2020:
Matéria de 28/10/2020:
Matéria de 26/10/2020:
Matéria de 27/10/2020:
Matéria de 26/10/2020:
Matéria de 28/10/2020:
Matéria de 27/10/2020:
Matéria de 25/10/2020:
Matéria de 27/10/2020:
Matéria de 23/09/2020:
Matéria de 03/07/2020:
Matéria de julho/2020:
Matéria de 21/10/2020:
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