Em 30 de agosto de 2020 escrevemos um artigo, que recomendamos a leitura, intitulado "França: a super potência europeia? Conseguirá ser protagonista global?, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/frança-a-super-potência-europeia-conseguirá-ser-protagonista-global, no qual fizemos várias análises sobre a intenção francesa de se tornar a principal liderança europeia, e com isso o gramde protagonista europeu. Dessa forma, apresentamos os seus principais desafios, bem como mostramos a estratégia do governo de Paris para transformar a sua intenção em realidade, que se baseava na tríade: Segurança - Autonomia - Influência. Para tanto, Emmanuel Macron adotou várias manobras geopolíticas, descritas no artigo, e que, em nossa visão, não têm sido muito eficazes.
Nesse sentido, alguns dos desafios que listamos em 2020, como: o seu grande desgaste na África devido as suas políticas colonialistas e as tentativas de manter as suas ex-colônias sob sua tutela e influência e a ameaça russa à Europa Ocidental, se transformaram em enormes problemas complexos para os franceses e que complicaram demasiadamente a sua pretensão. Tais problemas podem ser exemplificados pelos recentes golpes de Estado ocorridos em países africanos que foram colônias francesas, tais como o Mali, Níger e Burkina Fasso; e pela Guerra da Ucrânia. Convém mencionar que os eventos mencionados foram analisados em vários artigos do Blog.
É digno de nota que, conforme as análises que realizamos nos artigos que constam na Seção África, existiu uma certa influência russa nos golpes de Estado desses países africanos mencionados acima, denotando uma clara disputa geopolítica entre russos e franceses.
Nesse cenário, desde 13 de maio de 2024, a Nova Caledônia, que é um território francês localizado no Pacífico Sul, tem apresentado uma grande instabilidade interna, com manifestações violentas, que obrigaram o governo de Paris a enviar um grande contingente de forças de segurança, visando retomar o controle da situação, bem como fazendo com que o presidente francês fosse a esse território, com o intuito de tentar o apaziguamento dos ânimos dos revoltosos, representados pela etnia Kanak (representam cerca de 40% dos habitantes do território).
A causa da revolta dos Kanak deveu-se a decisão do parlamento francês em aprovar novas regras para as eleições na Nova Caledônia, que diluíram a importância e o poder do seu voto, pois permitiram que os franceses que vivem há mais de dez anos no arquipélago possam votar.
Este território ultramarino francês tem duas importâncias estratégicas para a França:
permite com que o país tenha uma presença militar no Pacífico, pois possui bases aérea e naval na Nova Caledônia, e com isso contribui para a projeção da França como uma potência global; e
possui uma grande reserva de níquel, contribuindo para a economia francesa.
Logo, em nossa visão, tal decisão visa enfraquecer os movimentos pró independência, liderados pela Kanak and Socialist National Liberation Front e pela Coordination Cell for Field Action, pois uma maior participação de franceses locais nos pleitos eleitorais dilui e enfraquece as manifestações relacionadas aos ideais de autodeterminação - soberania - da Nova Caledônia, que vinham ganhando força, e fortalece Paris - posição colonialista francesa.
É digno de nota que apesar dos resultados dos plebiscitos anteriores sobre a independência da Nova Caledônia terem manifestado a vontade popular de continuar ligada à França, a margem de diferença tem diminuído a cada votação, a exceção de 2021 que foi realizado por imposição francesa, pois os kanak, que foram muito impactados pela pandemia da COVID-19, não tiveram uma grande participação nesta consulta e haviam pedido, assim, o adiamento do plebiscito.
Entretanto, o que nos chamou atenção foi a matéria "France accuses Azerbaijan of fomenting deadly riots in overseas territory New Caledonia" publicada pelo site europeu POLITICO, em 16 de maio de 2024, que pode ser lida em https://www.politico.eu/article/france-accuse-azerbaijan-fomenting-deadly-riot-overseas-territory-new-caledonia/, em que apresenta a acusação francesa de que o Azerbaijão e possivelmente a Rússia seriam os fomentadores da manifestação violenta por parte dos movimentos separatistas da Nova Caledônia. Segue um trecho do artigo:
"Days of clashes between demonstrators and police in French-controlled New Caledonia are fueled by foreign interference, Paris declared on Thursday, as local officials vowed to restore order in the South Pacific territory. French Interior Minister Gérald Darmanin said that the violence, which has claimed the lives of three indigenous Kanak people and a police officer, had been actively supported by Azerbaijan. “This isn’t a fantasy,” he insisted on Thursday. “I regret that some of the separatists have made a deal with Azerbaijan.” However, “even if there are attempts at interference, … France is sovereign on its own territory, and so much the better,” he added. [...] Speaking to POLITICO, a French intelligence official granted anonymity to discuss sensitive issues of national security, said that “we’ve detected activities from Russia and Azerbaijan in New Caledonia for weeks, even a few months. They’re pushing the narrative of France being a colonialist state.”
É digno de nota que a estratégia citada acima, de afirmar que a França é ainda um país colonialista, foi empregada na África pelos russos.
De acordo com a matéria do POLITICO, o motivo do alegado apoio azeri aos insurgentes da Nova Caledônia deveu-se ao fato dos franceses apoiarem, político e militarmente, os armênios no conflito entre o Azerbaijão e a Armênia, que analisamos no Blog. Sendo dessa forma um meio de atingirem os franceses.
Portanto, podemos ver como a Guerra Híbrida ocorre quando e onde menos se espera, demonstrando que não existem e não importam fronteiras para a sua existência.
Assim, é interessante que acompanhemos o desenrolar dos acontecimentos na Nova Caledônia, pois esse caso de Guerra Híbrida exemplifica mais uma vez a disputa do Oriente (que desafia a Ordem Mundial vigente) contra o Ocidente.
Nesse sentido, é importante observar como o Brasil irá se portar nessa disputa geopolítica, que tem ficado cada vez mais global, pois o nosso país tem estreitado parceria militar com a França, talvez até seja o novo fornecedor de urânio em substituição aos africanos, com a Suécia, com os EUA e com outros parceiros ocidentais, mas por outro lado participa de um bloco antiocidental, como o BRICS +.
O Blog é de opinião que a França, apesar de estar tentando ser um ator global relevante, vem encontrando uma oposição geopolítica cada vez mais constante, o que poderá impedir com que consiga realizar a sua pretensão.
Portanto, o lema francês Liberdade, Igualdade e Fraternidade parece funcionar somente para os franceses, e não para as suas colônias.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 18/05/2024:
Matéria de 23/05/2024:
Matéria de 15/05/2024:
Matéria de 22/05/2024:
Matéria de 25/05/2024:
Matéria de 18/05/2024:
Ao meu ver, a França havia tentado uma aproximação com a Rússia antes da Guerra da Ucrânia, talvez por perceber que a atuação russa na África, que é de longa data, começou a ameaçar suas colônias de forma cada vez mais acentuada. Todavia, monsieur Macron foi desprezado por Vladimirovich, o que o levou a identificar a Rússia como antagonista ao seu plano de se tornar um grande player efetivamente na Geopolítica moderna. Depois daquele encontro onde Macron foi colocado a metros de distância de Vladimirovich, a relação entre os chefes de Estado azedou....A Rússia entendeu que "expulsar" a França de suas colônias e assumir seu papel, é melhor que eventualmente dividi-las entre si......