No dia 31 de agosto, o grupo fundamentalista islâmico Talibã assumiu formalmente o poder, após a saída vergonhosa estadunidense, mudando o nome do país para Emirado Islâmico do Afeganistão, com uma bandeira distinta da anterior, e impondo um regime de governo teocrático e autoritário.
Nesse sentido, o Blog considera que é importante acompanharmos a evolução do cenário geopolítico da região, pois acreditamos que a ascensão do Talibã poderá, em um futuro próximo de até 5 anos, trazer impactos na segurança e na estabilidade política da região da Ásia Central. Para tanto, tentaremos responder a indagação que dá título a esse artigo.
Devido a relevância do assunto, o Blog vem acompanhando esse cenário, onde apresentou os seguintes artigos, mostrados de forma resumida:
- "Parceria entre a China e o Talibã: possíveis desdobramentos", de 06 de agosto, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/parceria-entre-a-china-e-o-talibã-possíveis-desdobramentos, em que afirmamos que o real interesse chinês reside na manutenção de sua segurança interna, pois tem sofrido ataques terroristas de grupos fundamentalistas islâmicos em sua província de Xinjiang, provenientes da região conhecida como Wakhan Corridor, que fica no Afeganistão e dá acesso a China. Com isso, a saída das tropas da OTAN, que apesar dos problemas traziam uma certa estabilidade e segurança, poderá ter como consequência o aumento da liberdade de ação dos grupos terroristas que operam a partir do território afegão. Sendo o que mais preocupa a China é o Movimento Islâmico do Turquestão Oriental, conhecido como Eastern Turkistan Islamic Movement (ETIM), que aparenta ter ligações com a Al Qaeda e ligações diretas com o Talibã. O Grupo tem como objetivo realizar a independência do Turquestão Oriental, em que a minoria Uigur é reprimida na China com extrema violência em Xinjiang. Com isso, uma parte do território chinês estaria nesse novo país. Dessa forma, uma parceria com os Talibãs, que possui influência sobre o ETIM, é estrategicamente importante para a China evitar movimentos separatistas em seu território. Além disso, acreditamos que a parceria estratégica entre a China e os Talibãs é extremamente importante para ambos. Porém, acreditamos que caso os Talibãs não cumpram a sua parte da parceria, que seria a contenção do ETIM, poderá haver incursões militares chinesas ao território afegão, na região de Wakhan, num futuro próximo, a fim de de reprimir grupos terroristas que sejam consideradas ameaças a soberania chinesa e, com isso, evitar um aumento de movimentos separatistas em Xinjiang. Da mesma forma, acreditamos também que o Paquistão possuirá um papel relevante em qualquer parceria ou ação com o Afeganistão;
- "Afeganistão: a volta dos Talibãs ao poder", de 10 de agosto de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/afeganistão-a-volta-dos-talibãs-ao-poder, em que afirmamos que o país tem como característica a divisão em regime tribal onde se destacam os Pashtun, Tajik, Hazara e Uzbek, e devido as décadas de conflito tornou-se extremamente dependente de ajuda econômica estrangeira, além de apresentar grandes problemas de infraestrutura, fazendo com que a população sofra com interrupção de energia, falta de água e um elevado nível de desemprego e miséria. Além disso, informamos que o Talibã, que é a principal força militar no país, possui grande influência saudita, sendo o seu poderio militar mantido à custa de apoio externo, notadamente dos paquistaneses e dos árabes, e mais recentemente dos iranianos. É importante ressaltar que uma parte dos recursos financeiros que é utilizado pelo grupo é proveniente da venda do ópio produzido no país. Convém mencionar que os talibãs foram muito importantes no combate ao estabelecimento do Estado Islâmico no país, e várias fontes alegam que nessa empreitada contaram com o apoio do Irã. Apesar de serem de vertentes muçulmanas antagônicas, possuíam o objetivo comum de impedir a expansão e a consolidação desse grupo extremista no Afeganistão, que faz fronteira com o Irã. Ademais, afirmamos que o Talibã alega, novamente, que o seu intento é trazer paz e prosperidade ao Afeganistão, mas a história mostrou que após chegar ao poder, agiu de forma diferente ao discurso. O grupo nunca reconheceu nenhum governo afegão eleito democraticamente. Dessa forma, em nossa análise, dissemos que o Talibã encerrará o período democrático no Afeganistão, e tentará instalar um governo teocrático;
- "Seção Inteligência: o serviço de inteligência paquistanês e sua ligação com o Talibã", de 21 de outubro de 2020, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/seção-inteligência-o-serviço-de-inteligência-paquistanês-e-sua-ligação-com-o-talibã , onde dissemos que o Inter Services Intelligence - (ISI) que é a principal agência de inteligência paquistanesa, sendo responsável pela área internacional, sendo totalmente independente das outras agências de inteligência desse país, tem ligações com o grupo afegão Talibã, e treinava grupos extremistas para cometer atentados no interior da Índia, principalmente na região disputada da Caxemira, possui campos de treinamento no Afeganistão. Com a aproximação dos EUA com a Índia, visando consolidar uma aliança para conter a China, houve um estreitamento de laços entre os governos de Islamabad e Pequim, com o consequente distanciamento entre os EUA e o Paquistão. Dessa forma, o ISI voltou a apoiar o Talibã, até com operações sigilosas, em seu objetivo de voltar ao poder, e contribuir para a retirada das tropas estadunidenses do território afegão. Nesse sentido, vários analistas relatam que o Talibã é usado como um proxy do Paquistão, por meio do ISI, para realizar atentados no interior da Índia, bem como para ter um aliado relevante no Afeganistão, impedindo uma possível influência indiana nesse governo. Isso também acabaria sendo um bom negócio para a China, devido a disputa geopolítica sino-indiana.
A história do Afeganistão sempre foi marcada por períodos de ocupação, onde destacamos:
- invasão pela ex-União Soviética, que ocupou o país no período de 1979 a 1989, com a justificativa de combater grupos insurgentes sunitas que se rebelaram contra o governo afegão, aliado soviético, bem como aumentar a sua influência no Afeganistão. Era a época da Guerra Fria, e com isso, os EUA apoiaram a resistência afegã com treinamento e armamento com o intuito de conter a influência soviética, onde os Mujahidin ficaram famosos, ganhando simpatia internacional ao derrotar o exército invasor. Tal grupo deu origem ao grupo terrorista Al Qaeda, bem como ao Talibã, em que boa parte dos seus integrantes, que é de maioria da etnia pashtun, foram educados nas escolas islâmicas (madrassas) do Paquistão pela linha dura do islamismo sunita da derivação deobandi, que surgiu no século XIX na Índia. Tal derivação encontra semelhanças com a corrente wahhabita da Arábia Saudita, principalmente na visão literal e fundamentalista do islã. O Talibã governou o país entre 1996 a 2001, implantando um regime teocrático e autoritário. Durante esse período enfrentou uma resistência formada por outras etnias, como os tajiques, uzbeques e hazaras;
- ocupação pelos EUA, e por seus aliados, de 2001 a 2021, com o objetivo de combater a Al Qaeda e de prender o seu líder Osama Bin Laden, após os atentados contra as torres gêmeas do World Trade Center. Dessa forma, retiraram o Talibã do poder e tentaram implementar um regime democrático, permitindo uma maior liberdade aos cidadãos afegãos, principalmente para as mulheres. Durante o período da ocupação estadunidense, o Talibã recebeu apoio do Irã, da Rússia e do Paquistão (oscilando no apoio em períodos distintos), em que as ajudas iraniana e russa tinham como objetivo desestabilizar e enfraquecer a ocupação ocidental, principalmente os EUA. Além disso, o governo de Teerã tentava impedir um possível crescimento do Estado Islâmico no país. O Talibã, em agosto de 2021, volta ao poder com o mesmo modus operandi do passado, em que pese tentar apresentar um discurso moderado, e que até o momento não tem sido corroborado pela realidade apresentada. Convém mencionar, que durante o período que esteve fora do poder, esse grupo também angariava recursos pelo tráfico de ópio e de outras práticas criminosas, similar as ações de uma milícia.
Nesse sentido, podemos ver nos exemplos acima uma certa similaridade na forma de agir no Afeganistão por parte de atores internacionais, com o intuito de atingir os seus objetivos geopolíticos.
No atual cenário de retorno do Talibã ao poder, existe a possibilidade do aumento do protagonismo de grupos terroristas fundamentalistas islâmicos, o que traz preocupação a vários países da região, conforme podemos ver no mapa e entender alguns dos motivos a seguir:
- Rússia: apresenta preocupações no tocante a um possível crescimento de grupos terroristas islâmicos que possam desestabilizar os governos e a situação política do Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão que lhe são vizinhos. Dessa forma, uma instabilidade nesses Estados pode ser considerada como uma ameaça a segurança dos russos, o que tem feito com que Putin manifeste certa apreensão;
- China: possui preocupações com a sua segurança interna, conforme apresentado anteriormente no texto desse artigo;
- Índia: conforme dito anteriormente, tem apreensões que terroristas afegãos sejam empregados pelo Paquistão para efetuar ataques na Caxemira, visando desestabilizar a região;
- Os atentados realizados, por ocasião da retirada de estrangeiros e afegãos pelos EUA e seus aliados, pelo grupo terrorista Estado Islâmico Khorasan, também conhecido como Islamic State Khorasan ou ISIS-K, que é um grupo do Estado Islâmico - EI, podem fomentar um crescimento desse grupo, por meio da ida de combatentes e simpatizantes do EI ao Afeganistão para engrossar as suas fileiras, como o ocorrido nos eventos na Síria e no Iraque. Caso isso aconteça, existe a possibilidade de surgir uma disputa por poder entre o Talibã e o ISIS-K, pois apesar de terem pautas comuns, eles rivalizam na forma de governo e possuem aspirações de implementarem um governo islâmico radical. Essa possível disputa poderá desestabilizar toda a Ásia Central, sendo uma ameaça as soberanias de todos os países do entorno, principalmente ao Irã que apoiou fortemente no combate ao EI nos territórios sírio e iraquiano, bem como por ter auxiliado o Talibã na contenção de uma expansão do EI em território afegão;
- Paquistão: o fortalecimento do ISIS-K no território afegão poderá impactar na sua segurança interna, pois esse grupo possui células atuantes no país.
Destarte, podemos ver que se o Talibã não controlar os grupos terroristas fundamentalistas islâmicos que estão baseados no Afeganistão e que lhe são aliados, como a Al Qaeda e a ETIM, bem como se permitir o crescimento do ISIS-K em seu território que poderá mergulhar o país em uma guerra civil, e que tem possibilidade de ser potencializada pela resistência das minorias étnicas que são perseguidas pelos pashtuns, o Emirado Islâmico do Afeganistão poderá se transformar na principal fonte de instabilidade na região da Ásia Central.
Em nossa visão, caso isso aconteça, o país poderá vivenciar novamente os episódios de incursões militares estrangeiras em seu território, a fim de mitigar as ameaças terroristas.
O Blog é de opinião de que existe uma grande probabilidade do Afeganistão se tornar um fator de instabilidade para a região, e que devido a problemática interna de perseguição as minorias étnicas, bem como de interesses econômicos e geopolíticos de atores regionais, o país continuará mergulhado no caos político e de segurança interna.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para nos ajudar em nossa análise:
Matéria de 19/08/2021:
Matéria de 18/08/2021:
Matéria de 23/08/2021:
Matéria de 30/05/2021:
Matéria de 29/08/2021:
Matéria de 03/09/2021:
Matéria de 29/08/2021:
Matéria de 29/08/2021:
Matéria de 29/07/2017:
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