Em agosto deste ano o Chile publicou um decreto que redefiniu a extensão de suas águas jurisdicionais, com um aumento de plataforma continental para leste do Meridiano de 67º. Tal fato gerou protestos pelo governo argentino, o que tem criado uma tensão política entre os dois países.
Convém mencionar que os respectivos presidentes vivem uma baixa aceitação popular em seus países. Além disso, tanto a Argentina quanto o Chile estão próximos de eleições internas, onde qualquer fato relevante na situação externa poderá impactar positivamente ou negativamente no cenário interno do país, bem como ser utilizado pelo governo que está no poder para melhorar a opinião pública a seu favor ou desviar o foco dos críticos dos problemas internos.
Para entender melhor a atual tensão entre o Chile e a Argentina, precisamos voltar no passado quando em 1978 esses países quase entraram em guerra pela disputa territorial das Ilhas Picton, Nueva e Lennox que ficam localizadas ao sul do Canal de Beagle.
A Argentina intencionava invadir as ilhas em disputa por meio da Operação Soberania, que foi abortada no dia 22 de dezembro de 1978, horas antes do horário programado para as ações.
A crise político-militar daquela época entre os governos argentino e chileno teve a mediação do Papa João Paulo II, o que deu origem ao Tratado de Paz e Amizade assinado em 1984 entre as partes em litígio. Tal acordo possibilitou, além de colocar fim à disputa territorial marítima do momento, uma relação amistosa e estável entre esses países, o que sinalizava que as disputas territoriais marítimas entre a Argentina e o Chile tinham ficado no passado, bem como as rivalidades.
É digno de nota que durante o período das negociações (1978 a 1984) ocorreu a Guerra das Malvinas (1982) que enfraqueceu enormemente o Poder Naval argentino, bem como possibilitou a queda do regime militar que estava governando nesse país.
Os eventos mencionados acima, em nossa visão, acabaram por favorecer geopoliticamente o Chile em uma nova possível crise político-militar com a Argentina no tocante a disputas marítimas, pois ao contrário dos argentinos, os chilenos fortaleceram o seu Poder Naval, sendo, em nossa análise, possuidores de uma marinha moderna e com uma boa capacidade dissuasória. Podemos inferir que o fortalecimento do Poder Naval chileno foi um dos ensinamentos obtidos da crise militar de 1978.
O Tratado de 1984 estabeleceu que a oeste do meridiano de 67º o Chile tem sua soberania garantida, enquanto a leste a Argentina tem a sua. Dessa forma, os chilenos poderiam explorar os recursos marinhos do Pacífico e os argentinos os do Atlântico Sul.
O Tratado, mesmo após a sua assinatura, possuía alguns pontos que precisavam ser melhor discutidos e que foram solucionados, sendo que, na visão chilena, um deles que permaneceu tratava dos limites da plataforma continental.
É digno de nota que em 2009 a Argentina reivindicou perante as Nações Unidas um aumento de sua plataforma continental, sendo 23 quilômetros para além do ponto F (ponto de referência final - conforme visto na figura acima). O referido aumento foi aprovado pela ONU em 2016, e ratificado por uma lei argentina em 2020. Convém mencionar que alguns países reclamaram e não concordaram com o movimento argentino, sendo um deles o Reino Unido, devido a problemática das Ilhas Falklands (ou Malvinas).
Nesse sentido, vemos a realização do desejo argentino de ter a exclusividade na exploração de recursos marítimos contidos em águas profundas na plataforma continental, aumentando o seu potencial econômico. A figura abaixo nos mostra como a Argentina cresceu de tamanho, ao considerarmos a nova extensão de suas águas jurisdicionais.
Por outro lado o Chile afirma que nunca concordou com o pleito argentino para além do ponto F do Meridiano de 67º, bem como alega que vinha alertando a Argentina sobre a sua intenção de expandir os limites de sua plataforma continental para leste do referido meridiano.
Dessa forma, por uma decisão unilateral do Chile foi aumentada a área de sua plataforma continental em cerca de 30 mil quilômetros quadrados, sendo uma parte para leste do Meridiano de 67º, o que para os argentinos se tratou de uma violação a sua soberania, acusando o Chile de se apropriar de cerca de 5.500 quilômetros quadrados da plataforma continental argentina. Conforme podemos ver no trecho da nota oficial do governo de Buenos Aires:
El Gobierno argentino tomó conocimiento de una medida del Gobierno de Chile publicada en el día de ayer y fechada el pasado 23 de agosto en el Diario Oficial de ese país, relativa a espacios marítimos. Esta medida pretende proyectar la plataforma continental al Este del meridiano 67º 16´ 0, lo cual claramente no condice con el Tratado de Paz y Amistad celebrado entre ambos países en 1984. [...] La medida intentada por Chile pretende apropiarse de una parte de la plataforma continental argentina y de una extensa área de los fondos marinos y oceánicos, espacio marítimo que forma parte del Patrimonio Común de la Humanidad de conformidad con la Convención de las Naciones Unidas sobre el Derecho del Mar. Consecuentemente, la citada pretensión chilena no es aceptable para la República Argentina y plantea una situación que corresponderá resolver a través del diálogo en defensa de los derechos argentinos; de acuerdo a la histórica hermandad de nuestros pueblos y el derecho internacional. (disponível em: https://www.cancilleria.gob.ar/es/actualidad/noticias/la-plataforma-continental-argentina-que-aprobo-por-unanimidad-el-congreso-es-la)
Nesse cenário de tensão diplomática, recentemente foi negada a tripulação do navio argentino ARA Libertad que pudesse realizar várias atividades em solo chileno sob a justificativa sanitária da COVID-19, o que ensejou suspeitas de que o fato estivesse relacionado a problemática marítima.
É interessante analisar que em 2048 encerra a vigência do Tratado Antártico, e que tanto a Argentina quanto o Chile reclamam soberania na região Antártica, por isso, em nossa opinião, a importância de se conseguir por meio do Direito do Mar ampliações de suas águas jurisdicionais nas proximidades dessa região.
O Blog é de opinião de que a recente tensão diplomática entre a Argentina e o Chile será resolvido por meio do diálogo, mas o fato dos chilenos possuírem um Poder Naval superior ao dos argentinos lhes transmite uma maior confiança na negociação. Além disso, em nossa visão foi uma "jogada"política do presidente Piñera para melhorar a sua situação política interna.
Ademais, tal tensão deve ser alvo de acompanhamento do governo brasileiro, pois também temos extensas águas jurisdicionais, a nossa Amazônia Azul, e que podem ser contestadas por países com interesses nos recursos marinhos, como a região da Elevação do Rio Grande, e que já tratamos no Blog com o artigo "Elevação do Rio Grande: oportunidade e vulnerabilidade para o Brasil", acessível em https://www.atitoxavier.com/post/elevação-do-rio-grande-oportunidade-e-vulnerabilidade-para-o-brasil.
Destarte, veremos qual presidente se sairá melhor nessa disputa, pois ambos estão passando por grandes problemas internos.
O problema entre a Argentina e o Chile nos demonstra a importância de termos uma Marinha forte, bem como uma Estratégia Marítima para o Século XXI.
Qual a sua opinião? Você considera importante acompanharmos essa crise? Porque essa tensão foi gerada agora?
Seguem alguns vídeos para ajudar em nossa análise:
Matéria de 06/09/2021:
Matéria de 01/09/2021:
Matéria de 30/08/2021:
Matéria de 01/09/2021:
Matéria de 31/08/2021:
The point F is the most souther maritime limit on the ocean and is not an extension all the way south simply because that is the Chilean platform. The treaty in 1984 took part of the Chilean platform on the east already, when in fact the extension of it must be towards the east as a diagonal line between the islands in Tierra del Fuego. The are claimed by Chile is totally legit.