Há bastante tempo que observamos que algumas organizações não estatais, particularmente os grupos terroristas, mesmo antes do episódio de 11 de setembro de 2001, que deu origem a Guerra ao Terror, se utilizam do expediente de fazer pessoas, civis ou militares, como reféns, com o intuito de atingir um objetivo específico, seja ideológico ou financeiro.
Isso torna-se muito mais complexo quando acontece fora do território nacional, ou seja, no exterior. Vários exemplos ainda estão vívidos em nossas mentes, como os relacionados a sequestros de aviões de passageiros, que deram origem a vários livros, filmes e séries.
Nesse sentido, tal prática é considerada em alguns países como um ato terrorista, e em outros como um crime civil, sendo enquadrada por legislação específica, já que não há um consenso universal sobre a definição de terrorismo, podendo ser entendido como um ato de terror ou a defesa de uma liberdade.
Entretanto, tal ato criminoso, pode, também, ser praticado por um Estado, visando atingir os seus objetivos geopolíticos. Atualmente, verifica-se que é feito de forma direta, por meio de acusação de espionagem ou enquadramento de um ato considerado ilegal sem que haja o devido processo legal de forma imparcial e transparente, ou indireta, valendo-se de uma organização que esteja ligada àquele governo - proxy.
Não podemos esquecer que essa prática, por parte de um governo, é ancestral, sendo verificada na história como uma forma de se assegurar que um determinado país cumprisse as suas obrigações com o outro, ou para se manter um acordo de paz.
Dessa forma, torna-se uma forma política de determinado Estado, sendo conhecida como a Diplomacia do Refém, não devendo ser confundida com o Terrorismo de Estado, situação em que um governo utiliza práticas de terror - terrorismo, como uma arma, contra a sua população, sendo nítida em Estados totalitários ou ditatoriais, conforme podemos ver abaixo, no trecho de um artigo de 13 de maio de 2021, disponível no Portal do governo brasileiro:
"O terrorismo também é uma arma utilizada por alguns governantes, em especial em ditaduras (teocráticas ou não): de Hitler a Pinochet e Hussein, ditadores de variados matizes ideológicos assassinaram pessoas por trás das cortinas do poder, livrando-se de inimigos de forma ilegal e violenta. A isto se dá o nome de terrorismo de Estado." (fonte: http://querepublicaeessa.an.gov.br/conte-uma-historia/306-terrorismo-de-estado.html)
Assim, a Diplomacia do Refém ganha uma complexidade muito maior ao se tentar reaver o nacional detido, em virtude da soberania do Estado agressor. Assim, são incluidas várias dinâmicas, como: o uso da diplomacia, discussões na ONU; o apoio de organizações não governamentais - ONG de destaque (Cruz Vermelha etc); o estabelecimento de sanções; a realização de operação de resgate violando a soberania do Estado agressor; e, em último caso, o uso da força que, a depender do poder militar do país que utilizou a Diplomacia do Refém, poderá impactar na segurança e na paz internacionais. Podemos citar como alguns exemplos que se valem dessa prática o Irã, a Rússia e a Coreia do Norte. É digno de nota que outros países, como os EUA e a China, também são acusados de tal prática.
Nesse contexto, alguns governos, visando evitar com que os seus nacionais sejam alvos da Diplomacia do Refém, bem como de grupos terroristas que operam em determinada região, empregam, geralmente, certos conceitos das relações internacionais, como os tipos de dissuasão por prevenção e por punição.
Assim, tentaremos explicar como os governos utilizam tais tipos de dissuasão para evitar o emprego de tal diplomacia contra si:
- por prevenção, em inglês utiliza-se para esse caso o termo deterrence by denial, quando o Estado utiliza os meios de que dispõe para evitar com que a situação aconteça, como: a disseminação de alertas aos seus nacionais sobre o perigo de viajar para determinada região; o aumento da segurança dos meios de transporte, principalmente o aéreo; a emissão de recomendações de segurança por ocasião de viagens internacionais; a implementação de política de não realizar concessões as demandas do agressor; e mostrar, de forma implícita, ao agressor o elevado risco que estará correndo caso cometa tal ato, devido ao forte Poder Nacional do Estado (econômico, militar, tecnológico, psicossocial) que poderia impor uma situação muito severa;
- por punição, em inglês deterrence by punishment, seria quando o Estado ameaça o agressor com punições severas com a intenção de que este analise o custo que terá ao praticar o ato, como: o uso da força por meio da retaliação militar; e o estabelecimento de sanções - econômicas, tecnológicas, militar dentre outras.
Sugerimos a leitura do artigo que versa sobre Dissuasão, de 2018, da RAND Corporation, disponível em https://www.rand.org/content/dam/rand/pubs/perspectives/PE200/PE295/RAND_PE295.pdf, que auxiliará no entendimento do assunto.
Conforme o estudo acima afirma, o uso da dissuasão por prevenção é considerado por vários estudiosos como mais confiável do que o por punição, em que pese o agressor, por vezes, preferir correr o risco, como mostra o trecho abaixo da referência mencionada:
"Most classic studies suggest that denial strategies are inherently more reliable than punishment strategies. Steps taken to deny, such as placing significant military capabilities directly in the path of an aggressor, speak loudly and clearly. An aggressor might doubt, on the other hand, a defender’s willingness to impose punishments. An aggressor might also convince itself that the defender will hesitate to follow through on threats to punish because of attendant risks, such as further escalation, that the deterring state may not be willing to run once the moment arrives."
Ao se analisar a maioria dos casos, constata-se que, atualmente, eles são praticados contra os países ocidentais, notadamente os EUA e os da Europa Ocidental, e Israel.
Portanto, esse é um problema que tem sido encarado com seriedade por tais governos, ainda mais quando observa-se um aumento do número de casos, conforme o relatório do Parlamento do Reino Unido chamado Stolen years: combatting state hostage diplomacy, de 04 de abril de 2023, que pode ser lido em https://publications.parliament.uk/pa/cm5803/cmselect/cmfaff/166/report.html:
"The use of state hostage taking internationally is on the increase"
Outrossim, verificamos que a maioria dos países ocidentais aplica a dissuasão por prevenção, visando a se contrapor ao uso da Diplomacia do Refém contra si.
Recentemente, o grupo terrorista Hamas sequestrou mais de 100 israelenses, civis e militares, com fins políticos e ideológicos, mesmo sabendo como o governo de Tel Aviv reage quando é atacado ou tem um dos seus nacionais feito como refém. Logo, isso nos leva a certas questões para reflexão:
A) Israel:
- a dissuasão por punição israelense não está mais surtindo efeito na região do seu entorno?
- será que o uso da dissuasão por prevenção por parte de Israel não teria sido melhor, evitando com que houvesse uma festa tão próxima da fronteira com a Faixa de Gaza, bem como protegendo melhor essa região?
B) Hamas:
- o Hamas seria um proxy do Irã, e com isso o uso dos reféns pode ser considerado como o emprego da Diplomacia do Refém, de forma indireta, por parte daquele governo, visando atingir alguns objetivos geopolíticos?
- o Hamas não é um proxy iraniano, e teria feito reféns para atingir alguns objetivos ideológicos, como o fim da opressão israelense, bem como chamar a atenção da comunidade internacional para o estabelecimento do Estado da Palestina. Dessa forma, o sequestro dos israelenses deve ser considerado como um ato de terror ou como a defesa da liberdade palestina?
Com base no exposto, acreditamos que Israel deveria, para evitar que adversários utilizassem a Diplomacia do Refém contra o país, priorizar a dissuasão por prevenção, pois, smj, para os grupos extremistas palestinos, a dissuasão por punição não está mais surtindo efeito como no passado. Além disso, somos de opinião que o Hamas, por receber apoio do Irã e do Hezbollah, pode ser considerado como um proxy iraniano, e com isso estaria, com o sequestro de civis e militares israelenses, contribuindo para a Diplomacia do Refém iraniana, de forma indireta.
Ao vermos a situação do nosso país, não está clara qual política é aplicada pelo governo brasileiro para que se evite o uso da Diplomacia do Refém contra si, pois se desejamos ter um assento como membro permanente do Conselho de Seguranças das Nações Unidas, poderemos nos tornar alvo de um Estado que tenha sido prejudicado por uma decisão desse conselho.
Dessa forma, o fato recente entre Israel e o Hamas, referente ao sequestro de civis, deve ser analisado com atenção para que as lições aprendidas possam ser utilizadas para se proteger o cidadão brasileiro da melhor forma possível.
O Blog é de opinião que o nosso país deveria começar a implementar a dissuasão por prevenção, como vários países ocidentais o fazem, para tentar proteger o cidadão brasileiro, evitando o uso da Diplomacia do Refém, que tem aumentado no mundo, contra si.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos e um PODCAST para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 16/05/2023:
Matéria de 24/09/2023:
Matéria de 05/09/2023:
Matéria de 25/06/2020:
Matéria de 24/01/2019:
PODCAST, de 06 de outubro de 2023, chamado The Prisoner's Dilemma: Hostage Diplomacy 101, do site Irregular Warfare Iniciative: https://castbox.fm/app/castbox/player/id5299796/id638178480?utm_source=website&utm_medium=dlink&utm_campaign=web_share&utm_content=The%20Prisoner's%20Dilemma%3A%20Hostage%20Diplomacy%20101-CastBox_FM
Mais uma matéria de alto padrão do Comte TITO, lançando luzes sobre uma prática recorrente e bastante atual, situada numa zona "cinza" entre os Estados.