A relação entre o Brasil e os países da África Ocidental é pautada por laços históricos, culturais e estratégicos. Assim, o Blog em sua Seção África, disponível em https://www.atitoxavier.com/my-blog/categories/%C3%A1frica, dedica uma atenção especial a essa região africana.
No caso de São Tomé e Príncipe, um pequeno arquipélago localizado no Golfo da Guiné, esses laços ganham relevância especial. A proximidade geográfica, o histórico de cooperação e o papel estratégico da região no Atlântico tornam essa relação de grande importância para o Brasil, particularmente em termos de segurança marítima e projeção de poder. Este artigo analisará a relevância da posição geográfica de São Tomé e Príncipe no contexto geopolítico do Atlântico Sul e a contribuição da Marinha do Brasil para consolidar a parceria entre os dois países.
As relações entre o Brasil e São Tomé e Príncipe têm raízes históricas profundas. Durante o período colonial, o arquipélago foi um dos pontos de trânsito no comércio transatlântico de escravizados, conectando a África Ocidental ao Brasil. Após a independência de São Tomé e Príncipe em 1975, os laços históricos evoluíram para relações diplomáticas formais, com destaque para a cooperação cultural e técnica.
A língua portuguesa e o compartilhamento de tradições culturais aproximam os dois países, permitindo um diálogo mais fluido e colaborativo. Além disso, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) tem sido um fórum importante para fortalecer os laços políticos e econômicos entre Brasília e São Tomé. Essa base histórico-cultural se traduz, hoje, em uma parceria estratégica no campo geopolítico. Sugerimos a leitura do nosso artigo "CPLP, oportunidade de projeção geopolítica do Brasil", de 07 de maio de 2020, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/cplp-oportunidade-de-projeção-geopolítica-do-brasil.
O Golfo da Guiné, onde está localizado São Tomé e Príncipe, é uma das regiões mais estratégicas do mundo. Rica em recursos naturais, particularmente petróleo e gás, e com uma posição de destaque em rotas comerciais globais, a região é de interesse para grandes potências. No entanto, o Golfo enfrenta desafios de segurança, como a pirataria, o tráfico ilícito de drogas e armas, e a pesca ilegal, que comprometem sua estabilidade e desenvolvimento. Sugerimos a leitura da nossa série de artigos, que possui quatro partes, intitulada "Pirataria no Golfo da Guiné: aumento da militarização no entorno estratégico brasileiro", e que pode ser lida na nossa Seção África.
Para o Brasil, o Golfo da Guiné é particularmente relevante em termos de segurança energética. Empresas brasileiras, como a Petrobras, têm explorado oportunidades na região, especialmente em áreas de exploração offshore. A Petrobras, reconhecida por sua experiência em tecnologia de águas profundas, possui potencial para contribuir em projetos de exploração na Zona Econômica Exclusiva de São Tomé e Príncipe, além de estabelecer parcerias estratégicas com empresas locais e governos.
A figura abaixo mostra os blocos de exploração adquiridos pela Petrobras, demonstrando a retomada da atuação exploratória no continente africano. Maiores informações, disponíveis em https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202312/petrobras-informa-sobre-a-atuacao-em-blocos-exploratorios-em-sao-tome-e-principe.
Essa atuação amplia a necessidade de proteção das infraestruturas energéticas, como plataformas de exploração de hidrocarbonetos e rotas de transporte marítimo. Nesse contexto, a segurança marítima na região, incluindo patrulhamento e monitoramento de ameaças como pirataria, é uma prioridade para garantir a continuidade e a rentabilidade dos investimentos brasileiros.
O arquipélago de São Tomé e Príncipe está localizado a cerca de 200 km da costa africana, oferecendo uma posição vantajosa para monitoramento e uma possível projeção de poder no Golfo da Guiné. Suas águas territoriais e sua Zona Econômica Exclusiva (ZEE) abrangem vastas áreas ricas em recursos, que têm sido foco de interesses globais.
Para o Brasil, em nossa visão, São Tomé e Príncipe representa:
1. Um Ponto de Apoio Estratégico: A localização do arquipélago permite o estabelecimento de uma base de cooperação logística, facilitando operações conjuntas em segurança marítima e exercícios navais.
2. Vigilância e Controle Marítimo: Em parceria com a Marinha de São Tomé e Príncipe, o Brasil pode ajudar a monitorar ameaças, como a pirataria e o contrabando, contribuindo para a segurança regional.
3. Proximidade com o Atlântico Sul: A posição do arquipélago é ideal para fortalecer a vigilância sobre os fluxos marítimos que conectam o Atlântico Sul e o Atlântico Norte, permitindo ao Brasil expandir sua influência no contexto da ZOPACAS. Recomendamos a leitura do artigo "A importância da ZOPACAS para o Brasil. Quando iremos tratar com seriedade essa questão?!", de 05 de maio de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-importância-da-zopacas-para-o-brasil-quando-iremos-tratar-com-seriedade-essa-questão.
Abaixo podemos ver as principais rotas marítimas comerciais do mundo, e com isso verificar a importância da posição estratégica de São Tomé e Príncipe, quando observamos a linha de comunicação marítima que passa pelo Golfo da Guiné:
Nesse contexto, a Marinha do Brasil - MB desempenha um papel central na relação com São Tomé e Príncipe, servindo como um pilar para a cooperação em segurança marítima e diplomacia. Convém mencionar que a MB possui uma Missão de Assessoria Naval do Brasil em São Tomé e Príncipe e um Grupo de Assessoramento Técnico dos Fuzileiros Navais. Maiores informações podem ser obtidas em https://www.agencia.marinha.mil.br/defesa-naval/conexao-brasil-africa-saiba-como-marinha-contribui-para-o-desenvolvimento-do-atlantico#:~:text=Segundo%20o%20Chefe%20da%20Miss%C3%A3o,ocasi%C3%A3o%20da%20%E2%80%9CGUINEX%20III%E2%80%9D.
Entre as principais ações estão:
A) Cooperação em Capacitação e Treinamento
A MB tem colaborado com as Forças Armadas de São Tomé e Príncipe na formação de militares e na transferência de conhecimento técnico. Essa cooperação inclui:
• Cursos de capacitação em segurança marítima;
• Treinamento em combate à pirataria e proteção de infraestruturas críticas; e
• Apoio na gestão de operações navais e manutenção de equipamentos.
B) Operações Combinadas e Exercícios Navais
Exercícios navais combinados são realizados periodicamente, reforçando a interoperabilidade entre a MB e a Guarda Costeira são-tomense e fortalecendo a capacidade de resposta a ameaças regionais. Essas operações são também uma demonstração de comprometimento com a segurança do Atlântico Sul.
C) Diplomacia Naval
A presença de navios da MB em São Tomé e Príncipe é uma ferramenta de diplomacia naval, demonstrando solidariedade e o interesse brasileiro em promover a estabilidade na região. Essas visitas também ajudam a consolidar a imagem do Brasil como um parceiro confiável.
D) Transferência de Equipamentos
A doação de embarcações pelo governo brasileiro à Guarda Costeira de São Tomé e Príncipe, como lancha (Lancha de Apoio ao Ensino e Patrulha) e botes, e a assistência técnica no gerenciamento da ZEE de São Tomé e Príncipe são exemplos de como o Brasil utiliza sua capacidade naval para fortalecer a parceria.
Portanto, em nossa análise, seria importante e estratégico que o Brasil tivesse um acordo de parceria estratégica com São Tomé e Príncipe que possibilitasse a implementação de uma Estação Naval para a Marinha do Brasil naquele país.
Apesar das oportunidades, a relação entre o Brasil e São Tomé e Príncipe enfrenta desafios, incluindo limitações financeiras, a concorrência de outras potências na região e a necessidade de maior integração nas políticas de segurança marítima.
Em relação aos Estados concorrentes, destacamos:
1 - Portugal: como antiga potência colonial, mantém uma relação próxima com São Tomé e Príncipe, influenciando suas políticas econômicas, culturais e de defesa. Essa relação pode, em alguns casos, limitar o protagonismo do Brasil, especialmente na esfera de acordos comerciais e cooperação técnica. No entanto, a convergência entre Brasil e Portugal na CPLP e em foros multilaterais pode ajudar a superar eventuais tensões, promovendo uma colaboração tripartite que fortaleça os interesses comuns.
2 - Rússia: em sua busca por projeção global e contrabalanço ao Ocidente, tem intensificado sua presença na África Subsaariana. Em São Tomé e Príncipe, Moscou manifesta interesse em projetos relacionados a hidrocarbonetos e na possibilidade de estabelecer pontos de apoio marítimo na região do Atlântico Sul. Esses movimentos visam reforçar sua presença no Golfo da Guiné, onde a segurança energética e a proteção de fluxos comerciais emergem como prioridades estratégicas. A cooperação russa frequentemente envolve acordos bilaterais de defesa e treinamentos militares, além de promessas de investimentos econômicos, características do modus operandi do Kremlin na África.
Nesse sentido, em 2024, a Rússia e São Tomé e Príncipe assinaram um acordo de cooperação militar que vai além das colaborações de defesa típicas de Moscou na África. Este pacto, que inclui treinamentos militares, fornecimento de equipamentos de defesa e assessoria estratégica, destaca a intenção russa de estabelecer uma relação duradoura com o arquipélago. Além disso, a parceria prevê o fortalecimento das capacidades de segurança marítima de São Tomé e Príncipe, um aspecto crucial devido à localização estratégica do país no Golfo da Guiné, uma das regiões mais vulneráveis à pirataria e ao tráfico marítimo no mundo.
Elementos Estratégicos do Acordo:
Apoio Logístico e Presença Naval: Uma das cláusulas mais significativas do acordo é a possibilidade de acesso a instalações portuárias para embarcações da marinha russa. Embora São Tomé e Príncipe ainda não possua infraestrutura portuária militar robusta, essa parceria pode levar ao desenvolvimento de tais instalações, oferecendo à Rússia um ponto de apoio estratégico no Atlântico Sul. Essa medida não apenas projeta poder militar, mas também sinaliza um desafio direto à hegemonia ocidental na região.
Transferência de Tecnologia e Equipamentos: A Rússia comprometeu-se a fornecer equipamentos de defesa, como embarcações de patrulha e sistemas de vigilância costeira. Esses recursos têm o potencial de transformar São Tomé e Príncipe em um ator regional mais influente em termos de segurança marítima, enquanto vinculam o país às cadeias logísticas e de manutenção russas.
Formação de Pessoal Militar: O acordo também inclui a capacitação de militares são-tomenses em academias russas, um método tradicional de Moscou para criar vínculos de longo prazo com as forças armadas locais. Essa iniciativa fortalece não apenas a capacidade operacional de São Tomé e Príncipe, mas também sua dependência do know-how e dos recursos russos.
O interesse da Rússia em São Tomé e Príncipe está alinhado com sua estratégia mais ampla de intensificar a presença militar na África. O arquipélago oferece, como falamos anteriormente, um ponto de controle estratégico sobre as rotas marítimas do Golfo da Guiné, permitindo à Rússia projetar influência em uma área rica em recursos naturais e de crescente relevância geopolítica. Além disso, a cooperação militar permite a Moscou diversificar suas alianças globais em um momento de isolamento econômico e diplomático devido ao conflito na Ucrânia.
Logo, o acordo de cooperação militar entre Rússia e São Tomé e Príncipe representa um desafio significativo às ambições brasileiras de influenciar o arquipélago e o Atlântico Sul. Historicamente, o Brasil promove a ideia do Atlântico Sul como uma "Zona de Paz e Cooperação" (ZOPACAS), um espaço livre de rivalidades militares entre potências externas. A presença militar russa contradiz essa visão, potencialmente alterando o equilíbrio estratégico da região e incentivando a militarização de outros Estados costeiros.
3 - China: emprega sua política de "diplomacia econômica" para consolidar uma posição influente. Pequim tem financiado projetos de infraestrutura em São Tomé e Príncipe, como melhorias no porto e no aeroporto do país, essenciais para transformar o arquipélago em um centro logístico regional. Além disso, o crescente comércio bilateral, combinado com a adesão de São Tomé e Príncipe à Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), reforça o alinhamento do país com os interesses chineses. A estratégia chinesa de baixo custo político, mas alto impacto econômico, pode limitar a autonomia de São Tomé e Príncipe em questões estratégicas.
Com o exposto, podemos relacionar algumas barreiras à influência brasileira:
Capacidade limitada de investimento: Comparado às ofertas financeiras robustas da China e aos atrativos acordos estratégicos da Rússia, o Brasil possui recursos mais limitados para investir diretamente em infraestrutura ou projetos de defesa em São Tomé e Príncipe.
Concorrência assimétrica: A Rússia oferece cooperação em segurança e armamentos, enquanto a China promove desenvolvimento econômico. Ambas estratégias exercem uma atração direta que o Brasil luta para replicar.
Inconsistência diplomática: A política externa brasileira, especialmente no período recente, tem oscilado entre prioridades domésticas e ambições internacionais, comprometendo a continuidade de parcerias com países africanos.
Nesse cenário, para superar os desafios, o Brasil, em nossa opinião, deve:
• Investir em maior presença naval e diplomática no Golfo da Guiné;
• Fortalecer iniciativas multilaterais, como a ZOPACAS, para engajar São Tomé e Príncipe em um contexto mais amplo de cooperação regional; e
• Estabelecer diálogos contínuos com Portugal para alinhar interesses e promover parcerias tripartites, visando diminuir as influências russa e chinesa.
O Blog é de opinião que a relação entre o Brasil e São Tomé e Príncipe transcende a dimensão histórica e cultural, assumindo uma importância geopolítica estratégica no contexto do Atlântico Sul. O arquipélago é um ponto de apoio crucial para as ambições brasileiras na região, especialmente em segurança marítima e projeção de poder.
A Marinha do Brasil, como instrumento de política externa, desempenha um papel fundamental nessa parceria, contribuindo para o treinamento, capacitação e operações conjuntas que fortalecem a segurança regional.
Por meio de uma estratégia integrada que combine cooperação diplomática, militar e econômica, o Brasil pode não apenas reforçar seus laços com São Tomé e Príncipe, mas também consolidar sua posição como líder no Atlântico Sul, contribuindo para a estabilidade e prosperidade dessa região vital.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 10/05/2024:
Matéria de 08/05/2024:
Matéria de 30/01/2024:
Matéria de 12/07/2024:
Matéria de 05/11/2023:
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