Desde a criação oficial do Hezbollah em 1985, que surgiu como uma resposta a invasão israelense ao Líbano em 1982 e que sempre foi treinado e apoiado militarmente pelo Irã, são constantes as tensões com Israel, com consequentes escalonamentos em crises militares, que ficam muito próximas de um conflito de alta intensidade.
Convém mencionar que o último conflito de alta intensidade entre esses atores aconteceu em julho de 2006, em que houve a retirada de Israel do Líbano, fazendo com que muitos analistas militares considerassem que o Hezbollah foi o vencedor do conflito, apesar do Líbano ter sido arruinado. Recomendamos a leitura do artigo "Hezbollah e sua importância geopolítica no Oriente Médio", 16 de julho de 2020, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/hezbollah-e-sua-importância-geopolítica-no-oriente-médio, visando entender melhor o papel desse grupo na região.
Atualmente temos uma grave crise militar entre Israel e Hezbollah, em que podemos inferir, após uma análise dos fatos amplamente divulgados por todas as mídias de imprensa, que a sua origem foi o assassinato de um dos líderes do Hezbollah, Fu'ad Shukr, em julho de 2024, por meio de um ataque de Israel em Beirute, gerando uma retaliação militar do grupo, em agosto de 2024, na região norte israelense (fronteira com o Líbano), em que foram disparados vários drones e foguetes, fazendo com que cerca de 60.000 israelenses, residentes da área atacada, se deslocassem mais para o sul. Isso, também, ocasionou um deslocamento no lado oposto de cerca de 90.000 libaneses do sul do Líbano, temendo pela retaliação do governo de Tel Aviv. É digno de nota que a região sul libanesa é de maioria xiita e a principal área de atuação e controle do Hezbollah.
Assim sendo, era quase certa uma reação israelense de maior intensidade, em virtude da lógica do pensamento reinante no Oriente Médio sobre a importância de demonstrar força perante o inimigo, conforme explicamos no artigo "A nova configuração do Oriente Médio: bipolaridade Irã x Israel. Parte II - "olho por olho", será que todos ficarão cegos?", de 20 de abril de 2024, acessível em https://www.atitoxavier.com/post/a-nova-configuração-do-oriente-médio-bipolaridade-irã-x-israel-parte-ii-olho-por-olho-será-qu:
"Convém mencionar que o pensamento do Oriente Médio é de não demonstrar fraqueza, ou seja, impera a lógica da força e de governos fortes, inclusive nos governos democráticos da região, como Israel"
Portanto, enquanto as partes envolvidas na atual crise militar (Israel e Hezbollah) não manifestarem que estão satisfeitas com os resultados alcançados, o ciclo de ação - reação - contrarreação continuará, com intensidade mais forte, podendo deflagrar um conflito de alta intensidade, o que, até o momento, ambos os envolvidos já manifestaram publicamente que isso não faz parte dos seus objetivos:
objetivo de Israel: restaurar a segurança da região norte do país, visando possibilitar o retorno dos seus cidadãos deslocados. É digno de nota que o governo vem sofrendo uma pressão interna para solucionar o problema; e
objetivo do Hezbollah: pressionar Israel por um acordo de cessar fogo com o Hamas.
Cabe mencionar que ambas as partes possuem, atualmente, certas vulnerabilidades:
Israel: o desgaste apresentado pelos reservistas, perante um ataque em possíveis múltiplas frentes do chamado "eixo da resistência"(Irã - Hezbollah - Houthis - Milícias Iraquianas - HAMAS) pode ser considerado como uma vulnerabilidade importante, o que ressalta a importância do apoio estadunidense, e consequentemente a dependência israelense, como analisado no artigo "A nova configuração do Oriente Médio: bipolaridade Irã x Israel. Parte III - incertezas", de 07 de agosto de 2024, disponível em https://www.atitoxavier.com/post/a-nova-configuração-do-oriente-médio-bipolaridade-irã-x-israel-parte-iii-incertezas;
Hezbollah: está com o seu comando e controle muito abalado, em virtude do ataque israelense aos seus meios de comunicação (pagers e walkie-talkies) o que dificulta a coordenação da sua estrutura militar. Ademais, vários dos seus líderes militares, e alguns dos seus combatentes foram mortos no ataque, o que foi considerado pelo Secretário-Geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, como um dos maiores golpes sofridos pela organização nos últimos tempos.
Não podemos esquecer os dilemas que os EUA e o Irã, principais aliados respectivamente de Israel e do Hezbollah, se encontram, pois uma invasão terrestre ao Líbano por parte das tropas israelenses os atrairia para o conflito.
Um ponto que deve ser alvo de estudo e análise pelos juristas especializados no Direito Internacional foi forma usada por Israel para atacar os combatentes do Hezbollah, pois, smj, o uso de artefatos explosivos que pareçam meios inofensivos é terminantemente proibido, podendo ser considerado um crime, o que poderia "autorizar" outros Estados a fazerem o mesmo, e com isso uma guerra sem limites, "rasgando", assim, as convenções e tratados que versam sobre o Direito dos Conflitos Armados - DICA. Este caso é interessante, pois o Hezbollah não representa oficialmente o Líbano.
Entretanto, em nossa análise, apesar do ciclo de ação - reação - contrarreação em vigor entre os beligerantes, consideramos muita baixa a probabilidade de ocorrer uma invasão terrestre israelense pelos motivos expostos a seguir:
vulnerabilidades de ambas as partes, conforme descrito neste artigo;
não ser do interesse tanto dos envolvidos quanto dos seus principais aliados;
o importante trabalho, que pouco se menciona, da The United Nations Interim Force in Lebanon (UNIFIL), que é uma força de paz da ONU, e que possui tropas dispersas nas proximidades da fronteira entre o Israel e o Líbano, sendo responsável por monitorar o acordo de cessar fogo entre aqueles Estados.
A UNIFIL sempre se ocupou em mediar as tensões e crises entre israelenses e libaneses. Durante os últimos dias os "boinas azuis" da UNIFIL (cerca de 10.000 pessoas), como são conhecidos os mantenedores da paz, têm patrulhado a Blue Line, espécie de fronteira que representa a linha de retirada das tropas israelenses em 2000, o que evitaria uma escalada da violência de forma imediata e incontrolável.
O descrito acima pode ser confirmado, conforme podemos ver na reportagem do jornal The Washington Post, de 14 de setembro de 2024, disponível em https://www.washingtonpost.com/world/2024/09/14/unifil-lebanon-israel-hezbollah-peacekeepers-un/:
" [...] As civilians on both sides of the border have fled en masse, UNIFIL’s position has shifted, from monitoring violations at the border to patrolling a battlefront, an awkward role that Irisarri likened to being a buffer. “We are not acting against anyone. But if UNIFIL wasn’t here, I am very sure the situation will escalate,” he said. “No one will have a real barrier to stop.”
O vídeo a seguir, de 25 de maio de 2020 das Forças de Defesa de Israel, explica de forma bem clara o que é a Blue Line:
Quando eu participei da UNIFIL, durante um ano em 2014, houve várias reuniões entre as forças de Israel e do Líbano (não há participação do Hezbollah), mediadas pelo Comandante da força de paz, com o intuito de diminuir as tensões entre os Estados.
Atualmente, desde outubro de 2024, tais reuniões foram canceladas, mas reuniões têm sido realizadas com o governo do Líbano, bem como o de Israel, como noticiado pela Reuters, em 20 de setembro de 2024, na matéria "UN peacekeepers in Lebanon urge immediate de-escalation", que pode ser acessada em https://www.reuters.com/world/middle-east/un-peacekeepers-lebanon-urge-immediate-de-escalation-2024-09-20/.
Com o intuito de prover ao leitor opções para acompanhar o desenrolar dos acontecimentos referente à atual crise, recomendados a leitura das seguintes mídias, que auxiliará na análise pessoal do problema:
The Times of Israel, disponível em https://www.timesofisrael.com/, que aborda as principais notícias daquele Estado e possui coberturas interessantes;
Naharnet, disponível em https://www.naharnet.com/, que aborda as principais notícias do Líbano; e
Al Manar, disponível em https://english.almanar.com.lb/, que traz as principais notícias do Hezbollah.
Portanto, com base no retrospecto histórico, a partir de 2006, das crises entre Israel e o Hezbollah, ratificamos a nossa opinião de que é muita baixa a probabilidade de ocorrer uma invasão terrestre israelense na região sul do Líbano.
Outrossim, em nossa visão, os EUA e o Irã trabalham nos "bastidores" para desescalar a atual crise militar para não virar um conflito de alta intensidade.
Nesse sentido, podemos concluir que continuará o ciclo de violência entre os envolvidos, com suas as demonstrações de força para os seus públicos interno e externo, e que em futuro próximo ambas as partes declararão que atingiram os seus objetivos: o governo israelense afirmará que conseguiu restabelecer a segurança para a população da região norte, e como o acordo de cessar fogo com o Hamas está próximo, o Hezbollah afirmará que conseguiu pressionar Israel para isso.
Portanto, infelizmente, o Líbano continuará sofrendo as consequências do embate entre as partes envolvidas na crise, pois não possui meios para controlar o Hezbollah, e ao mesmo depende dele como dissuasão contra Israel.
Qual a sua opinião?
Seguem alguns vídeos para auxiliar a nossa análise:
Matéria de 22/09/2024:
Matéria de 20/09/2024:
Matéria de 22/09/2024:
Matéria de 22/09/2024:
Matéria de 18/09/2024:
Matéria de 22/09/2024:
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