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A Inteligência Epidemiológica e os Jogos de Guerra como instrumentos contra as ameaças pandêmicas.


Figura disponível em: https://www.expert.ai/wp-content/uploads/2020/06/epidemic-intelligence-1.jpeg

Conforme vimos no artigo "Série Vulnerabilidades do Brasil: Inteligência e Contrainteligência", disponível em https://www.atitoxavier.com/post/série-vulnerabilidades-do-brasil-inteligência-e-contrainteligência, a Atividade de Inteligência possui dois ramos, resumidos abaixo:

  • Inteligência: A Inteligência trata fundamentalmente da produção de conhecimentos com objetivo específico de auxiliar o usuário a tomar decisões de maneira mais fundamentada. Dessa forma, realiza ações de busca de dados com uso de técnicas especializadas, desenvolvidas por meio de treinamento específico, trata os dados obtidos, atribui credibilidade e obtém um significado de seu conjunto, e no processo de análise os dados têm sua credibilidade avaliada e são interpretados a partir de metodologia específica de produção de conhecimentos de Inteligência que permitirá a compreensão dos fenômenos e a elaboração de cenários prospectivos que orientam a tomada de decisões. Como resultado de todo esse processo, a Inteligência oferece às autoridades nacionais conhecimentos com credibilidade, completude e objetividade;

  • Contrainteligência: tem como atribuições a produção de conhecimentos e a realização de ações voltadas para a proteção de dados, conhecimentos, infraestruturas críticas e outros ativos sensíveis e sigilosos de interesse do Estado e da sociedade. Ela contribui para a salvaguarda do patrimônio nacional sob a responsabilidade de instituições das mais diversas áreas, consideradas de interesse estratégico para a segurança e para o desenvolvimento nacional. Dessa forma, desenvolve ações voltadas para a prevenção, detecção, obstrução e a neutralização de ameaças aos interesses nacionais.

Nesse sentido, uma Inteligência Epidemiológica, tendo como objetivo a manutenção da saúde pública em um nível seguro, terá como responsabilidade auxiliar o governo do país a tomar decisões adequadas nesse tema. Para tanto, deve possuir setores com pessoal bem qualificado, uma organização de força de trabalho adequada e uma estrutura de material moderna que possibilitem realizar um monitoramento contínuo em escala global, regional e local sobre o surgimento de casos de doenças que possam se configurar como ameaças a sua sociedade, e com isso ser capaz de elaborar informes que alimentem a rede de inteligência nacional.

Além disso, essa Inteligência teria, também, como tarefa analisar o cenário geopolítico internacional referente a área da saúde, como as influências de Estados em organismos multilaterais, como a Organização Mundial da Saúde - OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde - OPAS, bem como o emprego de tecnologia, vacinas e de recursos médicos para atingir objetivos geopolíticos específicos.

Dessa forma, seria possível ter uma visão multidisciplinar (economia, defesa, tecnologia, segurança interna etc), por meio do compartilhamento de informações com os outros órgãos governamentais, visando criar um relatório consolidado para as altas autoridades do Estado sobre os possíveis impactos no bem-estar da população, auxiliando o governo a criar políticas públicas e a se contrapor a possíveis ameaças pandêmicas.

No Brasil a Vigilância Epidemiológica é definida pela Lei no. 8.080, de 19 de setembro de 1990, como um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos.

Dessa forma, a Secretaria de Vigilância em Saúde - SVS, subordinada ao Ministério da Saúde, é responsável por tal vigilância que, por meio da tríade informação – decisão – ação, assessora tecnicamente as autoridades nas decisões sobre as possíveis ações de enfrentamento contra as doenças que possam causar um impacto na população brasileira. Sendo assim, podemos inferir que a SVS pode ser considerada como uma agência de inteligência epidemológica, devido ao nível de abrangência de suas atividades, carecendo de uma estrutura para a realização de coletas e análises mais abrangentes e eficientes do cenário internacional, o que possibilitaria transformar a atual inteligência de "reativa" em "pró-ativa".

Além disso, é importante citar que podem existir medidas de Contrainteligência Epidemiológica, visando neutralizar possíveis pandemias, por meio de planos de contenção ou de antecipação de eventos relacionados a pandemia, e que requerem uma coordenação nacional.

A Agência de Vigilância Sanitária - ANVISA tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos, fronteiras e recintos alfandegados (disponível em https://www.gov.br/anvisa/pt-br/acessoainformacao/institucional). Com isso, podemos colocar a ANVISA no ramo da Contrainteligência Epidemiológica.

Convém mencionar, que o Ministério da Saúde faz parte do Sistema Brasileiro de Inteligência - SISBIN, em que a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN é o órgão que coordena o sistema, trabalhando em harmonia com os demais órgãos membros. Isso foi abordado no nosso artigo citado no início do texto.

Figura disponível em: https://www.gov.br/abin/pt-br/assuntos/sisbin/composicao-do-sisbin

Sugiro a leitura do artigo "A inteligência epidemiológica como modelo de organização em saúde", cuja referência bibliográfica pode ser encontrada abaixo, e que auxiliou no estudo sobre o tema:

RODRIGUES-JUNIOR, Antonio Luiz. A inteligência epidemiológica como modelo de organização em saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 17, n. 3, p. 797-805, Mar. 2012 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232012000300027&lng=en&nrm=iso>. access on 16 Mar. 2021. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012000300027.

O Jogo de Guerra - JG pode ser considerado, de forma muito resumida, como uma metodologia multidisciplinar em que cenários (fictícios, hipotéticos ou não) podem ser simulados, visando analisar possíveis desdobramentos, deficiências e conflitos de interesses, bem como testar planejamentos, e que ao seu término poderá antecipar outros cenários que deverão ser investigados ou apresentar tendências auxiliando no processo decisório do mundo real. Tal metodologia pode ser empregada em problemas civis ou militares.

Nesse sentido, em setembro de 2019, o Naval War College - NWC conduziu um JG em que o objetivo era fazer frente a uma epidemia que se espalhava rapidamente em ambiente urbano, e cujas características do vírus eram muito similares a COVID-19. Isso ocorreu meses antes do início da pandemia. O JG chamava-se Urban Outbreak 19, e cujo relatório sucinto encontra-se no Blog no link https://de9abb8c-83aa-4859-a249-87cfa41264df.usrfiles.com/ugd/de9abb_1597b300fa484d0292fad4427bfc8f79.pdf. Nesse jogo foram antecipadas algumas dificuldades como a problemática do estabelecimento da quarentena, como podemos ver abaixo e está disponível em https://usnwc.edu/News-and-Events/News/Before-COVID-19-US-Naval-War-College-War-Game-Examined-Epidemic-Response:


We had people say that, naturally, we’re going to go into enforced mass quarantine. Other people said, you absolutely shouldn’t for this disease because it will be harder to find the infected,” Davies said. “So now we have different opinions. Does this mean we know whether or not to quarantine? Probably not. But does it mean we’re a little smarter about the things we’re going to face if we do? Yes.”


A Marinha do Brasil possui, na Escola de Guerra Naval, o Centro de Jogos de Guerra - CJG que é responsável por conduzir JG e suas variantes (Jogos de Segurança e de Crise) tanto para o meio militar quanto para o civil, sendo um setor análogo ao que o NWC possui, mas com uma estrutura menor, e que poderia conduzir um JG referente a cenários de ameaças pandêmicas.

Nesse cenário, podemos ver que o Brasil possui os instrumentos para enfrentar ameaças pandêmicas de forma eficiente, mas, que em nossa opinião, seriam necessários:

  • robustecer a Atividade Epidemiológica criando a possibilidade de realizar uma coleta e análise da geopolítica da saúde, que poderá enriquecer os produtos elaborados pela Atividade, evitando fake news, antecipando possíveis pressões de Estados, verificando fragilidades logísticas de insumos importados, melhorar a comunicação do Estado com a sociedade, auxiliar na elaboração de cenários, dentre outras informações. Dessa forma, teríamos um relatório mais robusto para auxílio no processo de tomada de decisão;

  • tratar a ameaça pandêmica de forma multidisciplinar, onde o SISBIN possibilita o compartilhamento de informações, o que permitirá um relatório com análises integradas de todos os órgãos governamentais do Sistema para o decisor;

  • incrementar a coordenação nacional da Contrainteligência Epidemiológica, pois poderá ser necessário o emprego de equipes de vários setores, como Forças Armadas, Epidemiologistas, Forças de Segurança etc, no estabelecimento de barreiras sanitárias, investigação e mapeamento geográfico de casos com as suas especificidades, dentre outras medidas;

  • realização de JG sobre um cenário de ameaça pandêmica com representantes de vários setores governamentais, em que se poderia analisar os impactos econômicos, sociais, sanitários, dentre outros. Com isso, poderíamos verificar vulnerabilidades e lacunas a serem preenchidas nos planejamentos. Dessa forma, o decisor teria melhores condições de preparar o Estado para o enfrentamento dessa ameaça;

Nesse diapasão, mesmo que houvesse a interferência política ou ideológica, o país poderia ter melhores condições de fazer frente as ameaças pandêmicas, e como consequência conseguiria proteger de uma forma mais racional e eficiente o bem-estar da população.

Alguns países que possuem a de Atividade Epidemiológica bem estruturada. e que observaram as informações produzidas. tiveram um resultado menos impactante no enfrentamento da COVID-19.

O Blog é de opinião de que o fator de sucesso no enfrentamento da ameaça pandêmica é o planejamento racional e metodológico pela utilização da Inteligência Epidemiológica e dos Jogos de Guerra, pois os resultados desses instrumentos podem sugerir procedimentos eficientes a serem adotados pelo governo para evitar ou mitigar os impactos no país. Isso pode ser útil, também, contra ameaças biológicas.

Outrossim, ratificamos a nossa afirmação constante no nosso artigo "Série Vulnerabilidades do Brasil: Inteligência e Contrainteligência", de que quem não investe em inteligência está fadado ao insucesso e a surpresas desagradáveis.

Porém, o grande desafio está no poder político, pois como observamos nos EUA, em que realizaram o Urban Outbreak 19 e que possuem uma Inteligência Epidemiológica de referência, como os Centers for Disease Control and Prevention - CDC, o combate a pandemia da COVID-19 não foi eficiente durante o governo Trump, pois não foram levados em consideração tais instrumentos nas decisões governamentais.

O Brasil possui os instrumentos para garantir a Segurança e a Defesa Nacionais contra as ameaças pandêmicas, e até biológicas, e que poderão assolar o nosso país. Entretanto, a Inteligência Epidemiológica e os Jogos de Guerra merecem receber aperfeiçoamentos e ganhar maior relevância no processo decisório nacional.

Qual a sua opinião sobre o tema?

Abordaremos os JG em um artigo específico, visando dar ao leitor um melhor conhecimento da metodologia.

Seguem alguns vídeos sobre o tema para podermos refletir:

Matéria de 31/10/2020:

Matéria de 06/02/2018:

Matéria de 21/02/2020:

Matéria de 28/04/2020:

Matéria de 13/03/2020:

Matéria de 04/11/2019:


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