A segurança de grandes eventos internacionais, como a reunião do G20, é uma das áreas mais complexas de planejamento e execução para governos e agências de segurança ao redor do mundo. Esses eventos, por sua natureza, atraem líderes de diversos países, centenas de profissionais e milhares de representantes da imprensa, e qualquer falha na proteção pode ter consequências graves, inclusive em termos geopolíticos. Diante desse cenário, os Jogos de Guerra - JG profissionais surgem como ferramentas estratégicas de simulação e análise, permitindo que especialistas e tomadores de decisão avaliem, aprimorem e testem medidas de segurança em um ambiente controlado, onde riscos e vulnerabilidades podem ser identificados e mitigados.
Os JG profissionais são uma metodologia de análise que reproduz, em um ambiente seguro e controlado, cenários realistas de crises, conflitos e situações de emergência. Utilizados em diversos contextos militares e de segurança, esses jogos foram desenvolvidos inicialmente para simular situações de combate e defesa, evoluindo com o tempo para cobrir uma variedade de eventos, inclusive os de segurança civil. O Jogo de Guerra oferece uma plataforma de análise e avaliação onde múltiplas forças e dinâmicas podem interagir, gerando dados e percepções úteis para o refinamento de políticas, estratégias e planos. Sua aplicação em grandes eventos como o G20 é particularmente relevante, pois eles expõem vulnerabilidades críticas e demandam uma análise abrangente e precisa das ameaças.
Assim, o planejamento de segurança de um evento como o G20 envolve múltiplas etapas, cada uma com especificidades que podem ser modeladas e analisadas em um Jogo de Guerra. Desde a análise de ameaças até a resposta a crises, os JG permitem que as equipes de segurança trabalhem antecipadamente, prevendo possíveis desdobramentos. As principais etapas do ciclo de planejamento de segurança — avaliação de ameaças, desenvolvimento de medidas preventivas, análise de resposta e avaliação pós-evento — podem ser mais bem compreendidas e otimizadas por meio desta metodologia. Abordaremos essas etapas a seguir:
1) Avaliação de Ameaças e Vulnerabilidades
Na fase inicial de planejamento, a identificação de ameaças potenciais é crucial. Eventos de grande escala estão sempre sob risco de ataques terroristas, espionagem, manifestações violentas e ataques cibernéticos, entre outros. Um JG contribui na detecção de falhas nos sistemas de segurança e na análise das táticas inimigas, expondo vulnerabilidades estruturais que poderiam ser exploradas. Além disso, diferentes cenários de ataque podem ser simulados para observar como os protocolos de segurança atuais reagem a essas ameaças, permitindo ajustes antes do evento real.
2) Desenvolvimento de Medidas Preventivas e Táticas de Resposta
Com base na avaliação de ameaças, as equipes de segurança precisam desenvolver medidas preventivas e estratégias para responder a incidentes. Assim, os JG proporcionam um ambiente controlado onde essas medidas podem ser analisadas, ajustadas e aprimoradas. Simular, por exemplo, uma tentativa de intrusão ou uma ação coordenada de ataque oferece a oportunidade de avaliar a eficácia das barreiras físicas e cibernéticas, além de preparar as equipes para respostas rápidas e coordenadas em tempo real.
3) Análise de Resposta e Gestão de Crises
Talvez uma das mais importantes contribuições dos JG seja a análise da resposta a crises – gerenciamento de crises. Simulações de possíveis crises durante o evento permitem que as equipes de segurança avaliem a interação entre diversos órgãos, como as forças policiais, bombeiros, segurança privada, forças armadas, unidades de pronto atendimento e agências de inteligência. Esse tipo de análise é essencial para criar um fluxo de comunicação eficiente e estabelecer uma cadeia de comando e controle clara que minimize a margem de erro e facilite a tomada de decisões rápidas e precisas em cenários de alta pressão.
4) Avaliação Pós-Evento e Aprimoramento de Protocolos
Após a conclusão do JG, é realizado uma análise da simulação efetuada, destacando o que funcionou bem e o que precisa ser aprimorado (oportunidades de melhoria), o que ajuda as equipes a entenderem o impacto de suas decisões e ações. A partir dessas análises, é possível revisar protocolos e melhorar o treinamento do pessoal envolvido no evento real para lidar de forma mais eficaz com os desafios futuros.
Nesse sentido, os JG têm benefícios específicos para a segurança de grandes eventos como o G20, especialmente em três áreas críticas: a antecipação de ameaças, a coordenação entre múltiplas agências e o desenvolvimento de resiliência, conforme veremos abaixo:
A) Antecipação de Ameaças
Ao simular cenários de crise, os JG permitem que as equipes prevejam e antecipem uma série de eventos indesejados, minimizando surpresas. Com base nessas previsões, as equipes de segurança e de pronta resposta podem modificar e adaptar as estratégias e os procedimentos planejados de forma proativa. Em eventos de alto risco, onde não há margem para erros, antecipar possíveis ameaças e falhas pode ser a diferença entre um evento seguro e uma tragédia.
B) Coordenação e Comunicação Entre Agências
A coordenação entre agências é outro aspecto beneficiado pelos JG. Em um evento do porte do G20, múltiplas organizações locais e internacionais (governamentais e privadas) precisam trabalhar juntas de forma sinérgica, frequentemente com diferentes abordagens e tecnologias, tornando-se um desafio. Dessa forma, o JG proporciona uma oportunidade onde essas organizações podem praticar e ajustar seus métodos de cooperação, promovendo uma comunicação eficaz e criando protocolos integrados de resposta.
C) Desenvolvimento de Resiliência e Agilidade de Resposta
Os JG contribuem para a construção de uma mentalidade resiliente nas equipes envolvidas no evento, pois oferecem experiências que simulam a tensão e os desafios do ambiente real. Assim, os profissionais que participam desses JG desenvolvem uma capacidade de resposta ágil e eficiente, aperfeiçoando o seu processo de tomada de decisão, bem como uma maior flexibilidade para adaptar-se a mudanças súbitas de cenário.
A prática de JG já provou ser eficaz em vários grandes eventos ao redor do mundo, nos quais os métodos de simulação trouxeram resultados significativos para o sucesso das operações de segurança, como nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, em que a Marinha do Brasil por meio da Coordenadoria de Defesa Setorial (CDS) Copacabana desempenhou um papel crucial ao empregar Jogos de Guerra como ferramenta de simulação e treinamento para assegurar a segurança do evento. O Jogo Simulado de Segurança Operação APOLO reuniu no Centro de Jogos de Guerra da Escola de Guerra Naval integrantes dos Grupos-Tarefas (GT) Marítimo, Terrestre e Anti-Terrorismo, além de representantes das Forças de Segurança Pública pertencentes ao Centro Integrado de Comando e Controle Setorial (CICCS) Copacabana. Esses JG permitiram a criação de cenários estratégicos que exploravam possíveis ameaças marítimas, como ataques terroristas, contrabando e operações hostis. Com base em simulações detalhadas, os envolvidos puderam testar reações, aprimorar o uso coordenado de recursos e ajustar táticas para respostas rápidas e eficazes em casos de emergência. Maiores detalhes sobre esse JG podem ser consultados nos links: https://www.marinha.mil.br/com1dn/noticia/cds-copacabana-realiza-mais-jogo-simulado-seguran%C3%A7a-os-jogos-rio-2016 e http://www.enabed2016.abedef.org/resources/anais/3/1466372537_ARQUIVO_SIMULANDOASEGURANCAMARITIMANASOLIMPIADAS-CORREA-FLOR-TERROR.pdf
Com o avanço tecnológico, o futuro dos JG profissionais apresenta perspectivas ainda mais promissoras. O uso de inteligência artificial, realidade aumentada e simulações virtuais cada vez mais realistas está tornando essas simulações mais precisas e eficazes. Em eventos como o G20, o uso desses recursos pode significar uma vantagem decisiva na prevenção de crises e na proteção dos participantes. Sugerimos a leitura do artigo "O Papel da Inteligência Artificial na Construção de Cenários e Desafios em Jogos de Guerra Profissionais", disponível em https://www.atitoxavier.com/post/o-papel-da-inteligência-artificial-na-construção-de-cenários-e-desafios-em-jogos-de-guerra-profissio.
Portanto, a segurança de eventos internacionais exige uma preparação meticulosa e uma capacidade de resposta excepcionalmente rápida e precisa, atributos que são essencialmente aprimorados por meio dos JG.
Logo, ao expandir o uso dessas simulações no contexto civil, é possível não apenas garantir a segurança dos eventos, mas também fomentar uma cultura de prevenção e resiliência nas forças de segurança de todo o mundo. Em última análise, os JG profissionais destacam-se como uma das ferramentas mais valiosas para enfrentar os desafios de segurança que eventos de alto risco representam para a estabilidade e a paz global.
Nesse cenário, torna-se fundamental que a organização dos eventos de grande complexidade, no tocante ao planejamento de segurança, seja submetida à análise dos JG por organizações que sejam especializadas em trabalhar com essa metodologia, seja governamental como o Centro de Jogos de Guerra da Marinha da Brasil ou privada como a empresa T&P Análises (https://www.tpanalises.com/).
O Blog é de opinião que apesar da grande relevância do uso da metodologia dos JG no planejamento de grandes eventos, como o G20, ela ainda é desconhecida pelas forças de segurança e demais setores governamentais e privados que estão envolvidos na organização de acontecimentos de grande magnitude.
Assim sendo, o governo brasileiro, em nossa visão, perdeu uma grande chance de aperfeiçoar o seu planejamento da segurança do encontro do G20, que acontecerá em 2024 no Rio de Janeiro, por meio da simulação de cenários utilizando a metodologia dos Jogos de Guerra.
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